Crédito presumido de PIS/Cofins na aquisição de bovinos: da revogação tácita do art. 37 da Lei 12.058

Após a ConJur noticiar uma sentença concedendo o direito ao creditamento da Cofins e do PIS presumidos a um frigorífico, analisamos a controvérsia jurídica acerca da possibilidade de aproveitamento desse crédito presumido de PIS e Cofins nas aquisições de bovinos vivos (NCM 01.02) destinados ao mercado interno.

O debate envolve a alegada revogação tácita do artigo 37 da Lei nº 12.058/2009 pela Lei nº 13.137/2015, que alterou substancialmente o regime do crédito presumido previsto na Lei nº 10.925/2004. A discussão, judicializada por contribuintes do setor de carnes, contrapõe o entendimento restritivo da Receita Federal — expresso em soluções de consulta — e a interpretação finalística defendida pela jurisprudência, com destaque para precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

Regime não cumulativo da Cofins e do PIS

O regime não cumulativo das contribuições ao PIS e à Cofins foi concebido para evitar a tributação em cascata, permitindo ao contribuinte o desconto de créditos relativos a insumos utilizados na produção. Todavia, no setor do agronegócio, parcela significativa dos fornecedores — produtores rurais pessoas físicas e cooperativas — não é contribuinte dessas contribuições, o que gera um descompasso sistêmico.

Com o intuito de corrigir essa distorção, o legislador instituiu o crédito presumido, previsto no artigo 8º da Lei nº 10.925/2004, assegurando sua fruição pelas agroindústrias, inicialmente sem distinção entre mercado interno e externo. Entretanto, a Lei nº 12.058/2009 restringiu tal benefício, especialmente no que se refere à carne bovina comercializada no mercado interno.

Posteriormente, a Lei nº 13.137/2015 promoveu relevante alteração na disciplina, o que ensejou debate acerca da revogação tácita do artigo 37 da Lei nº 12.058/2009.

Evolução legislativa do crédito presumido

Lei nº 10.925/2004: regime original

A norma tributária instituiu crédito presumido para aquisições de insumos agropecuários, sem distinção quanto ao destino da produção, possibilitando à indústria a neutralização da cumulatividade tributária.

Lei nº 12.058/2009: restrição ao mercado interno

O diploma de 2009 estabeleceu, em seus artigos 32 a 37, um micro regime específico para a indústria da carne, limitando o crédito presumido às operações de exportação e vedando sua aplicação às vendas no mercado interno.

Lei nº 13.137/2015: nova disciplina

Ao alterar o § 3º do artigo 8º da Lei nº 10.925/2004, a Lei nº 13.137/2015 reestruturou inteiramente as hipóteses de exceção ao benefício. O texto passou a prever, de forma taxativa, que a única vedação seria a aquisição de leite in natura, omitindo qualquer restrição relativa à carne bovina.

Controvérsia: revogação tácita do artigo 37 da Lei nº 12.058/2009

A questão central consiste em definir se o artigo 37 da Lei nº 12.058/2009 permanece vigente ou se foi revogado tacitamente pela Lei nº 13.137/2015.

De um lado, a Receita, com base nas Soluções de Consulta Cosit nº 309/2017 e nº 188/2021, sustenta a subsistência do regime restritivo, invocando o princípio da especialidade (lex specialis derogat legi generali).

“Solução de Consulta Cosit nº 309, de 14 de junho de 2017
Publicado(a) no DOU de 22/06/2017, seção 1, página 22
ASSUNTO: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS
EMENTA: CRÉDITO PRESUMIDO. SETOR AGROPECUÁRIO. AQUISIÇÃO DE BOI VIVO. CARNE BOVINA.
Da conjugação do art. 37 da Lei nº 12.058, de 2009, com o art. 8º da Lei nº 10.925, de 2004, resulta que:
a) a aquisição de boi vivo (classificado na posição 01.02 da NCM) utilizado como insumo na produção dos produtos citados no art. 37 da Lei nº 12.058, de 2009, está sujeita apenas ao micro regime de cobrança da COFINS instituído pelos 32 a 37 da Lei nº 12.058, de 2009, não se aplicando o micro regime estabelecido pelos arts. 8º, 9º e 15 da Lei nº 10.925, de 2004;
b) diferentemente, a aquisição de boi vivo (classificado na posição 01.02 da NCM) utilizado como insumo na produção de produtos diversos dos citados no art. 37 da Lei nº 12.058, de 2009, e mencionados no caput do art. 8º da Lei nº 10.925, de 2004, permanece sujeita apenas ao micro regime de cobrança da COFINS instituído pelos arts. 8º, 9º e 15 da Lei nº 10.925, de 2004, não se aplicando o micro regime estabelecido pelos arts. 32 a 37 da Lei nº 12.058, de 2009.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 10.295, de 2004, art. 8º, 9º e 15; Lei nº 12.058, de 2009, arts. 32 a 37 e 47.
ASSUNTO: Contribuição para o PIS/Pasep
EMENTA: CRÉDITO PRESUMIDO. SETOR AGROPECUÁRIO. AQUISIÇÃO DE BOI VIVO. CARNE BOVINA.
Da conjugação do art. 37 da Lei nº 12.058, de 2009, com o art. 8º da Lei nº 10.925, de 2004, resulta que:
a) a aquisição de boi vivo (classificado na posição 01.02 da NCM) utilizado como insumo na produção dos produtos citados no art. 37 da Lei nº 12.058, de 2009, está sujeita apenas ao micro regime de cobrança da Contribuição para o PIS/Pasep instituído pelos 32 a 37 da Lei nº 12.058, de 2009, não se aplicando o micro regime estabelecido pelos arts. 8º, 9º e 15 da Lei nº 10.925, de 2004;
b) diferentemente, a aquisição de boi vivo (classificado na posição 01.02 da NCM) utilizado como insumo na produção de produtos diversos dos citados no art. 37 da Lei nº 12.058, de 2009, e mencionados no caput do art. 8º da Lei nº 10.925, de 2004, permanece sujeita apenas ao micro regime de cobrança da Contribuição para o PIS/Pasep instituído pelos arts. 8º, 9º e 15 da Lei nº 10.925, de 2004, não se aplicando o micro regime estabelecido pelos arts. 32 a 37 da Lei nº 12.058, de 2009.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 10.295, de 2004, art. 8º, 9º e 15; Lei nº 12.058, de 2009, arts. 32 a 37 e 47.”

Diferente da posição da Receita Federal e de outro lado, os contribuintes defendem que a reforma de 2015, ao regular integralmente a matéria e prever apenas uma exceção expressa, revogou tacitamente a vedação anterior, nos termos do artigo 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro (Lindb).

Interpretação sistemática e teleológica

A técnica legislativa empregada pela Lei nº 13.137/2015 indica a intenção do legislador de uniformizar o regime, conferindo clareza e simplificação. A adoção de uma única exceção expressa (leite in natura) implica, pela hermenêutica clássica (expressio unius est exclusio alterius), a exclusão das demais vedações implícitas ou anteriores.

A jurisprudência do STJ, embora não tenha enfrentado diretamente o artigo 37 da Lei nº 12.058/2009, tem privilegiado a interpretação teleológica. No AREsp 1.320.972/SP, a corte afastou formalismos fiscais em favor de uma análise finalística da política tributária, reforçando a prevalência do objetivo de desoneração da cadeia produtiva.

Entendimento do STJ

No Tema Repetitivo 779 (REsp 1.221.170/PR, 2018), o STJ fixou a tese de que o conceito de insumo deve ser interpretado:

Essencialidade → quando o bem ou serviço é indispensável para a atividade-fim da empresa; no caso em tela, sem boi não se tem carne;

Relevância → quando o bem ou serviço, mesmo não indispensável, seja relevante para a qualidade do produto/serviço ou para o cumprimento de obrigação legal/regulatória.

Aspectos processuais: mandado de segurança e compensação tributária

No plano processual, o mandado de segurança é instrumento hábil para reconhecer o direito ao crédito presumido e declarar a inexigibilidade da restrição fiscal, embora não produza efeitos patrimoniais pretéritos (Súmulas nº 269 e nº 271 do STF).

Todavia, a jurisprudência do STJ admite a utilização do mandado de segurança para declarar o direito à compensação tributária.

“Súmula 213 DJ DATA:02/10/1998
O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.
Reconhecido o indébito, cabe ao contribuinte pleitear administrativamente a restituição ou optar por recebê-la via precatório, conforme Súmula nº 461 do STJ.
SÚMULA N. 461 – O contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado.”

Conclusão

A análise legislativa, hermenêutica e jurisprudencial conduz à conclusão de que a Lei nº 13.137/2015 revogou tacitamente o artigo 37 da Lei nº 12.058/2009.

Assim, os contribuintes que adquirem bovinos vivos para produção de carne destinada ao mercado interno possuem direito líquido e certo ao crédito presumido de PIS e Cofins, nos termos da redação vigente do artigo 8º, § 3º, I, da Lei nº 10.925/2004.

Além disso, emerge o direito à compensação ou restituição dos valores pagos indevidamente nos últimos cinco anos, assegurada a atualização pela taxa Selic, nos moldes do artigo 165, I, do CTN.

Trata-se de importante precedente para o setor do agronegócio, reafirmando o princípio da não cumulatividade e a coerência da política fiscal destinada à agroindústria. Cabe às empresas do setor frigorífico fazerem prevalecer os seus direitos, através do recurso ao Judiciário federal de sua jurisdição.

 

Notas:

Lei nº 10.925, de 23 de julho de 2004.

Lei nº 12.058, de 13 de outubro de 2009.

Lei nº 13.137, de 19 de junho de 2015.

Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.

Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro (Lindb). Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.

Supremo Tribunal Federal. Súmulas nº 269 e 271.

Superior Tribunal de Justiça. Súmulas nº 213 e 461.

STJ. AREsp 1.320.972/SP. Primeira Turma, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 2018.

STJ, Tema Repetitivo 779 -REsp 1.221.170/PR, 2018.

RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Solução de Consulta Cosit nº 309/2017.

RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Solução de Consulta Cosit nº 188/2021.

 

 

Fonte: Conjur.

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