Contratos do agronegócio e as tarifas dos EUA: riscos e precauções

Contratos do agronegócio e as tarifas dos EUA riscos e precauções

O governo dos Estados Unidos confirmou a imposição de tarifas adicionais de até 50% sobre diversos produtos brasileiros. A medida atingiu diretamente a fruticultura, a indústria da carne e dos pescados, entre outros setores da agroindústria. Riscos reais de prejuízos e desequilíbrio em toda a cadeia produtiva desvelam alguns dos desafios jurídicos enfrentados nas relações contratuais internacionais entabuladas pelos produtores do agronegócio brasileiro, nas mais diversas regiões do país.

O cultivo brasileiro de manga, por exemplo, é fortemente concentrado no Vale do São Francisco, que responde por mais de 90% da fruta exportada pelo país. O mercado norte-americano é o destino de relevante parcela da produção, a qual recebe cuidados especiais para acessar aquele exigente mercado na janela de entrada brasileira, que coincide com os meses de agosto, setembro e outubro.

A exportação para os EUA exige uma série de procedimentos, certificações e inspeções próprias, monitoradas por técnico do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos [1], a exemplo do tratamento hidrotérmico consistente na imersão da fruta em água aquecida a 46,1 °C, por um período que pode variar entre 75 e 90 minutos, seguido de imersão em água fria, a 21 ºC. Após esse tratamento, as mangas são armazenadas em áreas protegidas contra a entrada de insetos, revestida com telas específicas, bem como a aplicação de ceras próprias para melhorar a aparência da fruta e reduzir a taxa de perda de água durante o armazenamento [2]. A complexa operação pós-colheita torna a produção mais cara do que aquela destinada a outros mercados e ainda mais desafiadora a implementação de planos alternativos para redirecionar a produção para outros países, que já conta com o desafio logístico decorrente da falta de contêineres (principalmente os refrigerados) e aumento do frete marítimo nos últimos anos como uma barreira adicional [3].

Impactos nos contratos internacionais de exportação de produtos do agronegócio

A imposição unilateral de tarifas pode impactar diretamente contratos internacionais em curso, uma vez que são firmados muito antes de a fruta estar embalada e pronta para embarque nos aviões e navios. Nos Estados Unidos, o regime jurídico parte da premissa de que o importador registrado (IOR ou “importer of record”) é responsável pelo pagamento das tarifas na entrada das mercadorias no território aduaneiro, embora os contratos possam estabelecer alocação diversa de riscos, com ajuste de cláusulas específicas de responsabilidade por tarifas e eventuais hipóteses que permitam revisão contratual.

A jurisprudência americana demonstra relutância dos tribunais em aceitar a incidência de novas tarifas ou atos governamentais que perturbem a execução normal da avença como motivo suficiente para aplicação de cláusulas de força maior ou rompimento do vínculo obrigacional, salvo quando o contrato previr expressamente essa hipótese. Por isso, as cláusulas de “force majeure” devem ser redigidas com especificidade. Assim como a jurisprudência manteve a obrigação hígida de um locatário pagar alugueres mesmo após ter seu restaurante devastado por um furacão [4] e a Covid-19 não foi considerada como evento de força maior como uma regra geral na jurisprudência e doutrina norte-americana [5], se não houver previsão clara de que mudanças na política comercial (como novas tarifas) constituem motivo excludente de responsabilidade, as partes obrigam-se a cumprir o contrato mesmo com prejuízo.

É certo que cláusulas de “change in law” (mudança legislativa) ou de efeito adverso relevante (MAE — “material adverse effect”) podem ser exploradas como fundamento para revisão contratual, porém tribunais americanos são relutantes em concluir que um MAE efetivamente ocorreu e não raramente os contratos expressamente excluem mudanças de condições econômicas do escopo de incidência dessas cláusulas, o que exige atenção dos exportadores brasileiros no momento da formalização do contrato e definição das hipóteses de incidência de tais cláusulas.

Caso não exista espaço para negociação de tais cláusulas, o que não é incomum, é importante que o exportador possa levar em consideração as consequências jurídicas da ausência de previsão contratual de tais hipóteses de repactuação de obrigações ou rescisão contratual em sua matriz de riscos e na definição dos custos econômicos, o que reforça a relevância de uma tomada de decisão adequadamente informada sobre os aspectos jurídicos que envolvem a atividade de exportação, considerando as peculiaridades de cada modalidade de contratação com os parceiros no exterior e da legislação aplicável.

Entre os contratos de exportação mais comuns no setor de frutas, especialmente com distribuidoras norte-americanas, está o modelo de venda em consignação, no qual os produtos são entregues para revenda e o pagamento ocorre apenas após a comercialização.

Esse formato, embora vantajoso para a entrada em novos mercados, é particularmente sensível a choques econômicos, como o aumento de tarifas. Os riscos jurídicos e comerciais se ampliam, pois, com a margem de lucro comprometida, as distribuidoras podem atrasar ou mesmo recusar o pagamento dos valores devidos pelas frutas já comercializadas. Igualmente há o risco de rescisão unilateral de contratos por alegações de onerosidade excessiva, o que exigirá análise do direito aplicável e dos mecanismos de proteção previstos no contrato. No caso das consignações de frutas que forem afetadas pelo “Tarifaço de Trump”, o aumento de 50% nas tarifas pode zerar a margem do exportador, que arcará com os custos logísticos e operacionais sem retorno financeiro.

Os efeitos jurídicos desses riscos dependerão do teor contratual e da existência de cláusulas que disciplinem hipóteses de exceção ao cumprimento integral do contrato. Ausente essa previsão, o exportador poderá ser compelido a manter a operação ou arcar com sanções por suposto inadimplemento.

Importância da formalização contratual e da mitigação de riscos

Diante da instabilidade regulatória no comércio exterior e da possibilidade de judicialização de disputas contratuais internacionais, é essencial que exportadores brasileiros busquem, sempre que possível: formalizar adequadamente os contratos; evitar acordos verbais ou excessivamente lacônicos por e-mails ou mensagens de WhatsApp; incluir cláusulas de alocação de risco tarifário, mesmo nos contratos de consignação; inserir cláusulas de hardship e de ajuste contratual de preços em razão de eventos como tarifas excessivas, flutuações cambiais, pandemias ou crises logísticas; avaliem a contratação de seguro de crédito à exportação, entre outras precauções que poderão ser planejadas com uma assessoria jurídica especializada e personalizada para cada modalidade de contratação e tipo de commodity a ser exportada.

A análise poderá englobar uma previsão de quando eventualmente será viável, em circunstâncias extremas, defender o cabimento da defesa da tese da doutrina da impossibilidade [6] ou da impraticabilidade comercial [7], que implicam o ônus de provar que as tarifas eram inesperadas e destruíram o valor do contrato ou resultam na exclusão do produto de um mercado competitivo, de modo que o acordo comercial se torna inviável.

A imposição de tarifas de 50% pelo governo norte-americano representa um fato jurídico relevante e impactante para os exportadores do agronegócio brasileiro. Para além das consequências econômicas, o evento acende um alerta jurídico que demanda atenção redobrada à redação e revisão de contratos internacionais.

Dada a resistência do sistema jurídico dos EUA em admitir revisões contratuais com base em aumentos de custos (inclusive por tarifas), é essencial que os exportadores atuem de forma preventiva, com suporte jurídico especializado, para assegurar a continuidade de suas operações, preservar sua sustentabilidade econômica, sem esquecer da importância de um canal de diálogo franco e juridicamente assistido, que vise à manutenção, com maior segurança, de relações comerciais de longo prazo com parceiros estratégicos no exterior.

 

ddddddddd SIGRIST, José Maria Monteiro. Tecnologia pós-colheita para a comercialização de manga in natura. Disponível aqui

[2] Disponível aqui

[3] Disponível aqui

[4] Vide o precedente Bayou Place Ltd. P’ship v. Alleppo’s Grill, Inc., Civil Action n° RDB-18-2855 do District Court of District of Maryland, julgado em 13 de março de 2020. Disponível aqui

[5] LAZAREVIC, Sara. Is There Force in Force Majeure After COVID-19 or in The Freedom to Negotiate Risk? In University of Miami Inter-American Law Review. Vol 54, n. 1. Disponível aqui

[6] BENOLIEL, Uri. The Impossibility Doctrine in Commercial Contracts: An Empirical Analysis. Brooklin Law Review, Vol. 85, Issue 2, 2020. Disponível aqui

[7] TRENTACOSTA, John R. Commercial impraticability and fair allocation under UCC 2 – 615. In Michigan Bar Journal, nov. 2010. Disponível aqui.

 

 

Fonte: Conjur.

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