Em documento enviado ao governo, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil pede ampliação de 25% sobre os recursos da temporada anterior
Em meio a um cenário macroeconômico complexo, que envolve turbulências na geopolítica internacional, volatilidade cambial, juros altos, inflação e aperto fiscal do governo, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) pediu ao Ministério da Agricultura que o próximo Plano Safra (2025/26), que entrará em vigor em julho, tenha R$ 594 bilhões em recursos para financiamentos de pequenos, médios e grandes produtores. O montante é quase 25% maior que os R$ 477 bilhões ofertados na temporada 2024/25.
A entidade também apontou a necessidade de ampliação do orçamento para a equalização de juros do crédito rural, dos atuais R$ 14 bilhões para R$ 25 bilhões, para possibilitar a expansão do montante total ofertado na próxima safra. A CNA não fez indicação sobre os juros pretendidos, em sinalização de que haverá aumento das alíquotas aos produtores no próximo ciclo, mas pediu taxas e prazos adequados, principalmente para os investimentos.
Em documento entregue ao secretário de Política Agrícola da Pasta, Guilherme Campos, nesta quinta-feira (24/4), a entidade apontou a necessidade de a União focar a alocação dos recursos públicos de subvenção em ações estratégicas que possam gerar resultados a longo prazo e garantir o fornecimento de alimentos a preços acessíveis, como os investimentos rurais.
A CNA cobrou ainda que os recursos anunciados sejam efetivamente emprestados na ponta, uma crítica ao desempenho quase 20% menor nos desembolsos da atual temporada em relação à 2023/24.
“Tão importante quanto o volume anunciado é sua efetiva disponibilização. Os recursos anunciados devem estar disponíveis ao longo de toda a safra, sem interrupções”.
Em fevereiro deste ano, as operações equalizadas foram suspensas por alguns dias por conta do esgotamento do orçamento. O governo federal abriu crédito extraordinário de R$ 4,1 bilhões por Medida Provisória para viabilizar a retomada dos contratos com subvenção.
Diante da expectativa de a taxa Selic chegar a 15% até o fim do ano, a CNA não apontou os juros pretendidos para as linhas do crédito rural em 2025/26, mas pediu compromisso do governo federal com o equilíbrio das contas públicas e a estabilização da dívida em relação ao PIB para conter pressões cambiais sobre a inflação e abrir espaço para a redução estrutural da taxa de juros no país.
Na lista de prioridades da CNA está ainda o incremento no orçamento destinado ao Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), dos atuais R$ 1,06 bilhão para R$ 4 bilhões. A entidade apoia mudanças na lei do seguro rural, por meio do projeto 2.951/2024, da senadora Tereza Cristina (PP-MS), que prevê a implementação do Fundo Catástrofe e maior proteção à verba destinada ao programa.
A confederação se posicionou contra a obrigatoriedade de contratação do seguro rural atrelado a operações de crédito rural subvencionado. Apesar de concordar com avanços a partir da adesão compulsória dos produtores, a CNA diz que ainda há um “longo caminho” a se percorrer até o amadurecimento do setor segurador e das políticas de gestão de risco no país a ponto de aplicar iniciativas como essa.
Programas
Dos R$ 594 bilhões solicitados pela CNA para as linhas de crédito rural em 2025/26, R$ 103 bilhões são para o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que teve R$ 77 bilhões no ciclo que termina em junho.
Para médios e grandes produtores, o pedido é por R$ 491 bilhões, dos quais R$ 390 bilhões são destinados a operações de custeio e comercialização e R$ 101 bilhões para investimentos.
A entidade sugeriu ainda que o Plano Safra, em elaboração pelo governo, priorize recursos para custeio e investimento de pequenos e médios produtores, bem como programas estratégicos, como os de financiamento da armazenagem, irrigação, inovações tecnológicas e produção sustentável.
A entidade solicitou ainda melhorias do ambiente de negócios, com a retirada de burocracias e de custos adicionais na contratação do crédito rural, como os cartorários, a alteração dos limites de renda bruta agropecuária de programas de financiamento, a eliminação de entraves regulatórios e ambientais que vão além da legislação brasileira e a criação de novas fontes de financiamento, com impulso ao mercado de capitais.
Para incentivar práticas sustentáveis no campo, a CNA apoia a concessão de descontos nas taxas de juros ou de aumento do limite financiável para produtores que promoverem práticas socioambientais, desde que o método de comprovação não onere a produção. A entidade também reforçou pedidos antigos para que seja coibida a prática de venda casada no financiamento rural.
A CNA diz que o Plano Safra 2025/26 terá um papel ainda mais relevante diante do contexto desafiador, “que combina um ambiente doméstico restritivo, marcado por forte aperto monetário, com instabilidade internacional, intensificada por tensões bélicas e comerciais”.
A entidade cita o impacto da alta volatilidade cambial e do aumento dos preços de insumos, como fertilizantes e defensivos agrícolas, na renda do produtor rural nesta temporada.
“É necessário revisar as condições operacionais do crédito rural: além da ampliação dos limites de financiamento, é essencial estender os prazos de carência e de pagamento, com foco nas realidades produtivas de cada região e cultura. A ampliação do volume de recursos equalizáveis, compatível com a necessidade real de financiamento do setor, é igualmente urgente”, diz a CNA no documento.
A entidade ainda reforçou que boa parte dos recursos ofertados para programas de investimentos não cheguem efetivamente na ponta. “A aplicação dos recursos de investimento, em raras oportunidades, tem chegado próximo aos 90% de aplicação”, diz o documento.
Mesmo o Renovagro, programa que apoia práticas sustentáveis com juros mais baixos, tem tido desempenho abaixo do esperado nos últimos anos. Nesta safra, algumas linhas estão com apenas 31% da aplicação, como o Prodecoop. O Moderfrota, principal mecanismo para compra de máquinas, apresenta desembolso de 57% do total disponibilizado em julho de 2024.
“Não há dúvidas de que a baixa aplicação dos recursos prometidos se dá pela indisponibilidade de recursos, e não pela baixa procura pelo tomador. São vários os relatos de produtores que estão aguardando há meses a liberação de seus projetos, parados nas esteiras das instituições financeiras”, relata a CNA.
Novas fontes de recursos
A CNA sugeriu a criação de novas fontes de recursos para o financiamento rural, com impulso ao mercado de capitais diante da limitação orçamentária do governo para ampliar subsídios a operações e da retração de algumas origens tradicionais desses valores.
A entidade também defende o aumento da exigibilidade para as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e a poupança rural, além de ajustes em regras sobre os direcionamentos e aplicação desses recursos.
Uma das propostas da CNA para expandir o funding do crédito rural é a abertura de linhas de financiamento em dólar para públicos específicos e com condições para mitigação de risco da variação da moeda. A medida seria uma alternativa aos juros altos do atual cenário econômico nacional.
Fundos públicos
A CNA também sugeriu usar recursos ociosos de fundos públicos para ampliar para fortalecer o funding do setor. A entidade ressalta que essa medida requer um levantamento apurado da disponibilidade de saldos, mas diz que existem mais de 200 fundos públicos no Brasil atualmente e que poderiam ser usados para o crédito rural.
Alguns exemplos citados no documento são o Fundo Social, Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e os fundos constitucionais ou setoriais com superávit recorrente.
“A utilização de recursos extras desses fundos pode representar um novo funding para o setor e uma remuneração mais atraente para os recursos ociosos. Além de ampliar a oferta de crédito, essa medida contribuirá para o aumento da produtividade e geração de renda no campo, promovendo o uso estratégico de ativos públicos com impacto direto no desenvolvimento econômico e social das regiões rurais”, diz o documento.
A proposta prevê a utilização dos recursos de fundos com ociosidade maior do que três anos para o financiamento da agropecuária. “Aqueles fundos que não estão executando seus recursos poderão ser direcionados ao financiamento do crédito rural, com a devida remuneração dessa fonte”, diz a entidade.
A sugestão é que os recursos sejam operacionalizados por meio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), nos moldes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A ideia é priorizar investimentos e operações de longo prazo e destinar parte dos recursos para garantias de operações de financiamento agropecuário, como forma de mitigar riscos das instituições financeiras e promover o maior acesso ao crédito aos agricultores familiares.
A entidade pondera que os fundos públicos têm finalidade vinculada às leis que os criaram, o que exige análise detalhada para o possível enquadramento do financiamento rural no rol das atividades apoiadas por eles. “Caso não esteja previsto, é necessária uma alteração legislativa, que inclua as operações de custeio e investimento agropecuário em seu escopo”, pontua.
Exigibilidades
A CNA propôs ao governo elevar de 65% para 70% o percentual de exigibilidade sobre a poupança rural e de 50% para 85% no caso das LCAs. A entidade ainda sugeriu ampliar o escopo de parte do direcionamento dos recursos dessas duas fontes para permitir o cumprimento da exigibilidade com aquisição de cotas de instrumentos financeiros do Mercado de Capitais como os Fundos de Investimento do Agronegócio (Fiagros).
Na opinião da CNA, o aumento da exigibilidade das LCAs é necessário, sobretudo após as reduções de prazo do resgate dos investimentos no título, que passou de três para nove meses, em 2024. “O cenário de elevação da Selic tem mantido o mercado aquecido, mesmo diante da perda de atratividade do título, contudo, as reduções das captações já são sentidas”, aponta a entidade.
“As frequentes mudanças nos direcionamentos das LCAs, com regras anuais, impedem a previsibilidade de aplicação dos recursos em operações de longo prazo, como os investimentos, por exemplo. As instituições financeiras têm que, frequentemente, ajustar seus estoques às novas regras. Os estoques devem seguir a regra de vigência na sua aplicação, até o fim de sua validade”, completa.
De acordo com a CNA, o estoque de LCAs continuou em crescimento, mas em ritmo menor. Entre fevereiro de 2024 e fevereiro de 2025, o saldo aumentou 13%, para R$ 540,1 bilhões, ante uma expansão de 31%, 80% e 84% nos três períodos anteriores.
Fonte: GloboRural